segunda-feira, 25 de junho de 2012

Diário de um ficcionista: sábado com Rio + 20, whisky e Edward Norton



Tarde
Entre Ipanema e Copacabana, o rapaz de skate rolava na tarde de sábado quando se ouviram as sirenes das motos e o roncar topo de gama dos carros blindados de uma qualquer delegação diplomática. É sabido que a polícia brasileira não costuma ser branda nos modos ou cortês nos pedidos. Por isso, quase atirou o rapaz para a sarjeta, levando adiante o cortejo de automóveis devoradores de gasolina e gente que vê o mundo a partir do ar condicionado e dos vidros escuros.

O rapaz do skate, cujo o meio de transporte é mais sustentável que os mercedes em alta velocidade, levantou o braço, esticou o dedo do meio, e dirigiu-o aos polícias assim: dedo esticado e deslizando sem motor.

Nada mais conciso e, no entanto, contundente.

Enquanto os líderes mundiais vierem para cimeiras sabendo que nada mudará, enquanto vierem passar férias, enquanto forem às compras em shoppings (mulher do presidente do Irão) ou apenas frequentarem as garotas de programa autóctones, só nos resta esticar o dedo do meio e fazer, nós mesmos, que a vida seja mais sustentável. Podemos começar por trocar os jipes pelos skates.

 ps - nota positiva para uma alta dignitária europeia que se recusou a pagar 400 reais por um corte de cabelo.

ps 2 - nota negativa para o Vaticano, que conseguiu, mais uma vez, que os líderes mundiais se verguem às suas vontades medievais, nomeadamente no que toca ao uso de contracepção.


Noite
É um apartamento tão bonito, com uma vista tão cinemática, que o usei como morada de uma das personagens do meu próximo livro.

Há tanto bom gosto na apresentação da casa como nas pessoas que a frequentam, e a dona, que podia ser musa dos anos 20, é minha amiga de há muitos anos, de outras cidades, e de muitas festas e viagens.

Tinha decidido beber whisky, uma espécie de regresso a outros tempos. Há quantos anos não me enfrascava de whisky?

Tudo começava a ficar manchado nas bordas pelo álcool flamejante. Uma mulher alta, com franja de Cleópatra, falou-me de como havia ventiladores no teto da igreja que frequentava com os pais até aos dez anos. "Depois íamos na praia." Não consigo imaginar deus saindo da missa de havaianas para pegar carreirinhas. E basta olhar para a mulher alta e bonita e cheia de graça para perceber que a praia fez muito mais por ela do que a burocracia castigadora da Igreja católica.

E é então que ele aparece na sala. Pensei que fosse do whisky - afinal, o meu metabolismo desabituou-se da água escocesa - mas depois do nevoeiro percebi que era mesmo ele: Edward Norton.

Talvez seja dos papéis que interpretou, mas cruzámos o olhar nesse instante e juro que foi isto que pensei: That dude could kick my ass any time.

Mas verdade é esta: se ele me desafiasse para um mano-a-mano, sem camisa, lá fora, eu dizia que sim.

Edward preferiu deslumbrar-se com a vista na janela.

Como eu o entendo.


1 comentário:

  1. O meu português transatlântico passa-me rasteiras como esta: não escrevi "fazer carreirinhas" ou "pegar jacaré" (que significam o mesmo), e escrevi "pegar carreirinhas".

    E uma adenda: a miúda alta de franja era subornada para ir à missa. o suborno: comprar no quiosque e comprar figurinhas.

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