O senhor
Francisco, que me vende uvas chilenas, nasceu em Chaves mas, na primeira
vez que falámos, apressou-se a dizer: "Sou de Campo de Ourique",
mostrando o mesmo orgulho dos indígenas desse bairro lisboeta. Veio para o Rio
em 1968. Só regressou uma vez a Portugal, em 1995. "Ui, estava tudo
diferente." E aqui estamos, convencidos da sina repetitiva de um país,
sabendo que sempre foi assim. Aparentemente, muito mais é aquilo que me separa
do que aquilo que me une ao senhor Francisco. Mas sempre que vou à feira da
Gávea procuro a sua banca e compro as suas uvas, mesmo que não sejam as mais
doces. Gosto de lhe apertar a mão, falar-lhe como se estivesse no Jardim da
Parada, sem gerúndio ou vogais abertas, apenas: "Então bom fim de semana,
sôr Francisco." E uma estranha comunhão acontece, cordas tinindo coisas
muito mais antigas do que eu mas que pulsam perpetuamente numa veia do pescoço.
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