quarta-feira, 13 de junho de 2012
O dia em que voltei a sonhar com futebol
para o meu irmão caçula
Não estavas lá e, no entanto, falas desse golo como se houvesses esperado nas filas sobre-lotadas do antigo Estádio da Luz, debaixo de chuva, para ver a elegância de Rui Costa planando sobre o relvado, a forma como a bola avançava graciosamente se lhe tocava, o seu corpo de planador abrindo as asas, um jeito de correr que fazia o jogo mais bonito, e o chuto em que a força e a beleza, misturadas na quantidade exata, levaram a bola a passar por cima do guarda-redes, disparada de fora da área, para fazer rugir o estádio e estremecer o cimento armado da Catedral.
Portugal ganhou esse jogo, com a Irlanda, por três zero (até Cadete marcou um golo) e conseguiu apurar-se para o Europeu de Inglaterra, em 1996.
Não estavas lá. Tinhas sete anos, tal como eu quando assisti à derrota de Portugal, com a França, em 84. Não estavas lá, mas falas desse jogo como se tivesses estado. Talvez porque te falei dele várias vezes, talvez porque também muitas vezes tentei imitar o Rui Costa quando chegavas da escola e jogávamos na entrada de casa, fazendo da garagem a baliza e escavacando as flores nos canteiros.
(Anos antes, quando eras ainda mais pequeno, jogávamos com uma bola de ténis na cozinha)
A primeira vez que te levei ao futebol foi para ver um Benfica - Sporting, e o Jardel deixou-nos o azedume de um empate nos últimos minutos. Mas é nesse jogo contra a Irlanda, é no esplendor desse golo de Rui Costa, que sinto que o futebol primeiro nos uniu.
E se andava desmotivado com o jogo, melhor, com a palhaçada que hoje rodeia o jogo, lembrei-me de como te contava coisas do tempo do Valdo, do Mozer, do Vitor Paneira, de uma meia final contra o Marselha, do pontapé canhão do Carlos Manuel, em Estugarda. Mas hoje és tu que me dizes qual é o onze inicial do Benfica ou quem será o jovem sensação deste Euro.
Sabes, zango-me amiúde com o futebol, mas regresso sempre. E se o futebol me ajuda a estar mais perto de ti, se de cada vez que houver um Euro ou um Mundial ou o Benfica ganhar o campeonato, eu puder sentir-me tão próximo como me sentia rematando contra a porta da garagem (e tu de luvas, equipado como um guarda-redes), como me sinto sempre que te conto o golo do Rui Costa nessa noite de aluvião e absoluta felicidade, então manterei para sempre um pouco de inocência futebolística, essa busca pela emoção e beleza pura do jogo, sem comentários, sem análises, sem repetição, só o golo de Rui Costa, as suas asas de garça abrindo e fechando para celebrar o golo, saltando para fora do campo, eu e tu nas bancadas, afogados de chuva e irmandade, eu e tu, mesmo que nunca lá tenhas estado, eu e tu e um golo celebrado em conjunto.
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