Ela pedia-lhe que fizesse tudo devagar, que respirasse fundo várias vezes e que reparasse na luz do meio da tarde entrando pela varanda, as portas abertas, a mata do morro criando uma sintonia de pássaros, folhagem e insetos estalando de calor. Ela pedia-lhe que abrandasse os gestos, que se desligassem todos os aparelhos elétricos, que não houvesse música, apenas o fôlego de ambos, a sucção da saliva, pele roçando nos lençóis, os cabelos e o cheiro dela presos na barba dele, dedos alongando-se sobre os mamilos. E se o corpo dela parecia crescer lentamente, ampliando-se a cada toque, tudo o resto encolhia em seu redor, não havia celulares gritando mensagens, uma moto suturando o silêncio da rua sem ninguém, não havia sequer uma suspeita de trânsito, campainhas, ou 24 novos emails na caixa postal. Era só ela, o centro do seu corpo, a boca dele.
Tudo se desvelava com a languidez das transas pós almoço, o balanço entre a sesta e a tesão, o torpor do sangue e o intumescer da carne, livres de relógios, como se pudessem ficar ali até que anoitecesse e depois dormissem nus, sem sair da cama nos próximos dias.
Ela estendia-se, dilatava-se, por vezes parecia que entrava pela mata adentro, enlaçando troncos, formando raízes, qualquer coisa de ancestral, um grito, algo que a fazia muito mais bicho da terra.
Então, ela regressava e diluía-se, colando-se nele, derramando-se. Os lábios encostavam-se ao pescoço dele, e o nariz parecia respirar subaquaticamente através do cangote do homem que a apertava junto de si e que nunca lhe disse: "Temos de ir" ou "Não adormeças" ou "Tenho um jantar de família."
Dormiam e ela mantinha-se encaixada no cangote: o cheiro, a jugular pulsando ainda do esforço, o cafofo da malemolência.
Ele saía sempre primeiro - assim ela lhe tinha pedido desde que se começaram a encontrar. Ficava mais meia hora na casa emprestada por uma amiga que vivia em Berlim. Um duche rápido, dez minutos diante do espelho, a mão apertando uma mama, nada, mas desde que a irmã fora operada que todas as semanas ela dormia com um médico que conhecera no hospital, durante as visitas. Encaixada naquele cangote sentia-se segura, expansiva, com tempo para estar.
E quando ele saía, ela punha-se avaliar o corpo diante do espelho, andava nua pelo quarto como já não fazia há anos, ia para a varanda fumar, esperando ver um mico, um tucano, um saci pererê.
Ela vestiu-se, despejou o cinzeiro, saiu para a rua.
Tinha de ir buscar um filho ao karaté e passar no supermercado para comprar parmesão porque o marido ia preparar uma pasta para uns amigos estrangeiros que escreviam livros ou salvavam o planeta ou eram apenas ricos.
Assim que ela ligou o celular, o aparelho vibrou. Era o seu médico, dizendo que tudo estava bem com os resultados de check up.
Ela entrou no trânsito, teve de desviar-se de um van tresloucada, várias pessoas buzinavam, alguém ouvia música que fazia abanar os vidros, o celular começou a apitar mensagens e voltou a tocar, a vibrar, a explodir. Era o marido: explicou-lhe com detalhe o que ia cozinhar e pediu-lhe, como era hábito, que ela escolhesse um nome para o prato.
Ela disse: "Cangote".
E se, após desligar, chorou, ela mesmo vos diria que não foi de tristeza.
Uma delícia!
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