quarta-feira, 22 de maio de 2013

Diário do Alentejo

Texto da jornalista Maria do Carmo Piçarra


"Primeiro, o autor. Antes de ser escritor, Hugo Gonçalves ganhou um prémio de revelação como jornalista, viveu (e vive, de novo) fora de Portugal, onde tem escrito nalguns dos principais jornais e revistas. Tem “espírito”, é observador e sabe escrever. O que faz dele, porém, um escritor é ter uma consciência de si e do mundo – de si, no mundo. Há nele uma ética e um comportamento enformado por ela. Gonçalves é inconformista e tem um pensamento político, no sentido clássico e sem que isso implique militância. A sua escrita é, sim, agitadora e transparente quanto aos sentidos que vai encontrando no seu trajecto de nómada e experimentador.



Depois, o livro, que traduz as qualidades daquele que o escreve. Em “Enquanto Lisboa arde...” o ritmo da escrita é tocado a fogo, ou antes, a samba – Gilberto Freyre chamou “luso-tropicalismo” ao “mundo que o português criou” mas até que ponto é que o sentido não foi predominantemente o da cafrealização, o de chegar e ser tomado pelo trópico? – e nele é evidente que Gonçalves sabe contar uma história como poucos romancistas portugueses. Há um ex-assessor político e aspirante a escritor que a crise – e o ter a cabeça a prémio - empurrou para o Brasil levando consigo a vontade de recomeçar e uma encomenda secreta. O romance relata o seu mergulho num universo de expatriados em busca de vida nova no hemisfério sul. O desfiar da história é potenciado pelas referências culturais contemporâneas que atravessam a obra – a tempo, sem forçar, capazes de estabelecer cumplicidades com o leitor – e pela qualidade do olhar de Hugo Gonçalves, atento aos detalhes e servido por uma escrita fortemente visual."