quinta-feira, 25 de julho de 2013

Como eu escrevo



Há umas semanas ligaram-me da Time Out Lisboa, convidando-me a escrever um texto sobre os meus hábitos de escrita para a rubrica "Como eu escrevo".

E eu escrevi isto:

O caubói escritor


Osmir Fuks foi escritor e bandido. Pouco se sabe da sua obra e talvez tenha produzido mais patifarias do que literatura. O Correio de Cuiabá, edição de 3 de Dezembro de 1988, publicou um perfil com referências biográficas duvidosas e chamou-o de “Cangaceiro punk”. O texto conta que Osmir sangrara inimigos com facas de cozinha e amara mulheres até que perdessem os sentidos. O artigo vinha ilustrado com um desenho – a cara de um matador parido no Mato Grosso, a dormência ocular dos degoladores. Encontrei o texto por acaso, enquanto fazia pesquisa para um livro. Esqueci Osmir durante semanas, até que, num alfarrabista em Copacabana, encontrei a “Biografia dos hábitos dos caubóis e dos escritores ”, edição artesanal, de 1990, com uma reduzida biografia na contracapa: “Nasceu e ainda não morreu.”  

O livro ensina a capar bois, a selar cavalos e relata as manias de autores que não encontrei na internet ou nas enciclopédias: Cigala Estevez, poeta chileno e canibal, Fernando Fernandes, português de narrativas porno que se tornou pastor evangélico em Parada de Lucas, Rio de Janeiro, Zona Norte. Misa Whitman, que escreveu uma ode à procrastinação pela via da masturbação.

“Rimbaud ficou perneta, Camões zarolho. E quantos outros escritores não andaram aflitos de sífilis e achaques da alma?”, questiona Fuks, no capítulo “Maleitas resultantes do ofício & acidentes causados por desvarios românticos”. Osmir escreve ainda que os escritores perguntam aos seus pares sobre os hábitos de escrita porque querem ter a certeza de que não estão loucos, de que há outros para quem a solidão é um farol apetecido, e porque, paradoxalmente, querem companhia para um propósito que parece obsoleto: escrever livros. “A escrita precisa de tempo como o rio precisa de séculos para definir seu leito”, escreve Fuks, e depois insiste na estranheza de um ofício que vale menos do que um cirurgião empunhando um bisturi em caso de apendicite – uma coisa que nem se pode chamar de profissão e que, se pararmos para pensar, é tão estranha como pessoas a dançar sem música.

“Os hábitos dos escritores, quando revelados, servem para alimentar a suspeita da sua singularidade, instigam a soberbia, dão importância e ritualizam desnecessariamente o caráter mundano da criação. Mas também é muito possível que eu esteja falando merda.”

Osmir Fuks não tem endereço conhecido. Um repórter de Passo Fundo disse-me que ele trabalhava numa fazenda no Uruguai, e que era procurado por bigamia, burla e lesões corporais. No livro, Fuks escreve: “Se um dia uma menina da TV ou das revistas vier me perguntar sobre como escrevo, eu invento uma história na hora.”

Nisso, senhor Fuks, estamos de acordo.




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