quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Crónica antiga para matar saudades do verão português



Nesse corpo estreia o verão


É mais que geografia ou anatomia: a curva do teu ombro é também aquela curva perigosa da estrada para a praia, o cheiro do alcatrão melado misturando-se com a maresia, um pára-brisas coberto por insectos kamikaze, música tão alta que não se ouvia o motor. E a boca: comedora de Verões em cada ameixa chupada, lábios que bebiam refrescos pela garrafa, língua com língua no jogo do bate-pé. E os dedos fazendo granadas de areia molhada, as omoplatas com escaldão, os joelhos esfolados no soalho do quarto onde perdeste a virgindade. Todo o teu corpo está marcado pelo Verão: tatuagens que estiolam por causa do sol; essa fronteira entre a pele morena e a pele branca, que começa uns quantos dedos a sul do umbigo; o peito transpirado colando-se no tecido que esfria assim que sentes o ar condicionado; a comichão dentro do nariz se mergulhas e quase respiras a água salgada; a disponibilidade que a tua pele apresenta para indagar outras peles. Em cada Verão o teu corpo recorda e renasce, para garantir que é no Verão que tudo se exagera e revela. Entre um Verão e outro, chegaste a procurar ainda um outro Verão, no hemisfério sul, quando aqui deixaste pendurados sobretudos tristes e foste pesquisar os efeitos do calor nas populações indígenas. Em todo o lugar é igual. Chega o Verão e perde-se, mais uma vez, a ingenuidade da Primavera, os corpos dilatam, conseguem-se boas cicatrizes, as histórias aparecem, cabem mais pessoas e mais tempo nos dias longos. O Verão, nesse teu corpo, já começou há muitos Verões

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