segunda-feira, 26 de agosto de 2013

As aventuras de Amélia, uma cachorra de verdade





Segundas-feiras


Se era para ser uma saga ao menos que começássemos com um grande plano aéreo de colinas,  um campo a perder de vista e eu correndo atrás de uma bolinha atirada por Vicent Cassel, que por acaso é meu vizinho na Gávea e estaria disposto a fazer um cameo no episódio inaugural. Tudo isto aconteceria no estrangeiro, claro, talvez em Itália ou na Califórnia, porque não me vejo a protagonizar novelas no sertão ou sequer em Miami.

Mas o que aqui apresentamos, afinal, não é mais do que um folhetim novelesco na internet, e o máximo que conseguimos para o episódio de estreia foi fazer uma  fotografia de "diva ao acordar", sem maquilhagem ou escova. Para os detratores que questionam "É mesmo sem maquilhagem?", posso dizer que não tomo banho há mais de uma semana e que o eyeliner é de origem, vinha programado na genética vira-lata.

De qualquer maneira, estou na cama deles, o que é proibido, segundo as leis da casa, e o que faz de mim uma criatura fofinhamente subversiva. Eles, que elaboram com frenquência piadas sobre a minha limitada inteligência canídea, não têm  agilidade cerebral que lhes permita fechar a porta do quarto antes de sair para o trabalho. Como tal, o cão agradece esfregando-se no édredon.

E aqui estou, pensando como eles se alteram com os dias da semana, tão radiantes na sexta de manhã, monossilábicos nas segundas bem cedo.

- Está a chover, não podes ir trabalhar comigo.

Disse ele, antes de sair, como se eu lamentasse ficar em casa quando as temperaturas descem, chove o suficiente para o meu pelo cheirar a cão molhado e a porta do quarto ficou aberta.

Como se - mesmo numa editora - correr atrás de bolinhas e pássaros e comer plantas fosse, de facto, trabalhar.

O meu conceito de tempo não me permite perceber a diferença entre uma segunda e uma sexta-feira. Mas sei que todas as segunda-feiras há sempre mais migalhas pela casa, resultado das coisas açucaradas e salgadas que eles comeram no fim de semana. Talvez encontre uma pipoca biotóxica em baixo do sofá ou um papel de chocolate para lamber antes da chegada das formigas.

Por isso, quando ele me disse - Está a chover, não podes ir comigo trabalhar - eu esperei que batesse a porta da rua e fui comer um pedaço de rúcula que caíra na cozinha na noite anterior. Farejei todo o rodapé da sala, lambi migalhas de sofás e comi um mosquito na parede. Finalmente, aborrecida de espreitar pela janela para o parque de estacionamento, fui tombar-me na cama.

E, aqui deitada, incapaz de antecipar a chegada deles, que com certeza irão reclamar comigo por estar deitada na cama, penso se a Lassie percebia a diferença entre um sofá (onde posso estar) e uma cama (onde não posso estar), se conhecia os humores de segunda e de sexta feira e, caso fosse capaz de entender tudo o que a mim me escapa, se foi a sua compreensão singular que lhe valeu uma estrela no passeio da fama de Hollywood.

Porque, se para ser celebridade de novela, eu tenho de ir estudar para o estrangeiro ou penar nas manhãs de segunda, como eles, então deixem-me ficar enchouriçada neste édredon, espreitando aquilo que, tenho a certeza, é um pedacinho de fiambre no chão da sala.

Há coisas que só a natureza explica, e uma delas é que eu nasci para ser cachorra.


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