quarta-feira, 18 de abril de 2012

Johnny be good


1
Johnny nunca vira um elefante na savana embora tivesse sido concebido em África, num território onde os paquidermes eram comuns.

Johnny olhou para o animal, que não tombou com o primeiro tiro. Johnny só começou a correr após o segundo disparado, como todos os jornais viriam a relatar mais tarde.


2
Há vinte e três anos, a mãe transportara Johnny, ainda alimentado pela placenta, entre o continente da fome negra e a promessa do continente branco, numa patera, com mar calmo e desembarque nas praias mediterrânicas durante a noite. Foi apanhada pela polícia, mas como estava grávida não podia ser deportada.

Johnny cresceu na Europa vigorosa da indústria automóvel, do advento das telecomunicações, das obras públicas que davam trabalho aos que chegavam de fora, como a mãe de Johnny, que viveu em três cidades europeias, até se casar com um primo, e montar um mercado com produtos do seu país.

Johny era bom aluno, cidadão com passaporte, um exemplo da integração e do modelo de desenvolvimento. Terminada a faculdade, foi escolhido no processo de seleção para ajudante pessoal do monarca do país. Já não vestia sua alteza da cabeça aos pés, como aconteceria séculos antes, e teve uma notoriedade incomum para o posto que ocupava. Os jornais fizeram perfis sobre o rapaz africano, que atravessara Gibraltar na barriga da mãe – uma família que cruzou a Europa até que, apoiada e motivada pelo sistema e pela bondade das gentes, conseguiu que o filho frequentasse os mesmos salões com chefes-de-estado, estrelas rock, celebridades cinematográficas, atletas de primeira linha.


3
O segundo tiro não acertou no animal. O elefante seguiu caminho, foi perdendo velocidade, cambaleava como os bêbedos, tombou junto de uma árvore que Johny não sabia o nome mas, estava seguro, vivia ali há mais tempo que toda a comitiva do safari em que participava o monarca.

Johny tinha uma namorada. Pensava casar e, mais tarde, depois do estágio com o rei, abrir um negócio, como fez sua mãe. Johny correu, por fim, mas não para o monarca, que jazia no pó, sangrando da cara porque a arma, com defeito, rebentara no momento do segundo disparo.

Johny correu para o elefante e, mais tarde, os jornais e as televisões repetiram o relato desse detalhe como a mesma insistência com que um adolescente relembra a sua primeira experiência sexual nos dias subsequentes ao extraordinário evento.

Contrataram-no para fazer anúncios de produtos orgânicos, de carros amigos do ambiente e de bancos e companhias de energia que se esforçam por dar miminhos aos clientes em função de um mundo melhor e sem poluição.


4
Johny ficou famoso.

O rei desfigurado.

E um cronista social, malvado e megalómano, tornou famoso o cognome do rei, aquele pelo qual ficará conhecido nos manuais de história: “Trombinhas”.

Houve manifestações nas redes sociais e em certas ruas por causa do incidente com o elefante. Escreveram-se crónicas a favor da caça e outras em desprimor da raça. Homem que é homem mata o que come, diziam uns. Vais pedir um double cheese de elefante?, diziam outros.

Johnny foi despedido, meses depois, quando ninguém já se lembrava dele ou do animal assassinado. O rei chamou-o e disse:

“O senhor preferiu ir em resgate do animal do que salvar o seu monarca.”

Trombinhas tinha saído, recentemente, de uma plástica de sucesso que, no entanto, não o impedia de parecer o Homem Elefante.

“O animal, como se percebe pela ação da justiça do Acaso na sua tromba, é vossa alteza. Diria mesmo uma real cavalgadura (sem insultar os equídeos) e uma majestosa bosta de vaca (igualmente sem desprimor para o trânsito intestinal dos bovinos)”.

5
Johnny abriu um mercado, teve um filho e jamais se mudou para África ou voltou a ver um elefante na savana. Quando o rei morreu, engasgado na azeitona de um dry Martini, a bordo de um iate onde pescava tubarões, Johnny fugiu do luto oficial e das cerimónias nas ruas. Levou o filho ao zoológico. Não era a savana nem havia árvores ancestrais, mas Johny habituara-se, há muito, que a procura da excelência pode ser frustrante. O zoo servia.

Desrespeitando os cartazes que pediam para não alimentar os animais, Johnny deu amendoins ao filho e disse que os atirasse na direção dos elefantes.

Johnny inquietou-se, pensando se, no futuro, o seu filho seria caçador, se abandonaria um cão, se compraria bilhetes para a tourada.

Depois, um pensamento deu-lhe algum descanso:

“Quanto à forma como o meu filho irá tratar os animais, está tudo em aberto. Mas ao menos sei que não tem a sina amaldiçoada de um dia ser rei.”

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