terça-feira, 10 de abril de 2012

Heterossexuais contestatárias


Depois de me emocionar com a prosa do arquitecto, no Sol, sobre "Os Homossexuais Contestatários", inspirei-me no seu texto para retratar outra maleita dos tempos modernos.




À minha frente, no elevador, está uma mulher de 34 ou 35 anos. Pelo decote, emissão de feromonas e pela forma como balança o pé dentro do sapato de salto, percebo que é heterossexual.

Estamos no elevador do Shopping da Gávea, no Rio de Janeiro, e sim, vou começar com detalhes descritivos como: trabalho naquela zona, subo e desço a rua muitas vezes, gosto muito de subir a rua, e de descer também; bebo um copo de água a meio da manhã; a Gávea é um lugar com muitas mulheres bonitas; não sei porque as mulheres bonitas escolhem certas zonas da cidade, mas, de facto, ali nos cruzamos com muitas mulheres bonitas – quase tantas como gays no Chiado.

(Se eu escrever assim e explicar tudo muito bem explicadinho, contando a minha vida desde que lavo os dentes de manhã até que ato os cordões das meias de dormir à noitinha, fica tudo mais claro e a minha singular voz literária permanecerá para sempre na cabeça dos leitores tal como a minha prosa nobelizável perpetuará sua luz nas bibliotecas do mundo inteiro.)

Julgo ser notório que a comunidade heterossexual feminina tem vindo a crescer não só no Rio de Janeiro, mas em múltiplas outras metrópoles – e a maioria queixa-se do elevado número de homens hetero imprestáveis para um namoro de verão, quanto mais para casar e ter filhos. Elas estão aí e são insolentes.

Como todos sabemos, caiu o muro de Berlim, o Fidel patina, eu li muitos livros que explicam isto, a juventude é rebelde e agora já fiz um enquadramento histórico para concluir brilhantemente que: ser hoje uma mulher heterossexual de 30 e tal anos, solteira ou sem parceiro, é moda ou uma forma de contestação.

Uma amiga minha pensou fazer uma tatuagem, participar numa manifestação a favor da legalização da maconha ou fundar uma banda de punk rock, mas depois, influenciada por amigos e pelas celebridades que assumem a sua heterossexualidade em público, resolveu ser uma trintona nos píncaros da prestação sexual, sem parceiro permanente e orgulhosa da sua condição (ela ainda não decidiu se é uma doença, se é assim porque é assim, ou se é apenas vulnerável às tendências da estação).

Durante anos, as mulheres heterossexuais de trinta e tal anos tiveram de viver num sistema que não permitia que se assumissem, muitas casavam e tinham filhos para escamotear a sua condição. Conheci umas quantas que, muitos anos mais tarde, largaram tudo e saíram do armário. Sem as lutas ideológicas da Guerra Fria, sem o confronto geracional de antanho, a insolência maior é agora ser uma mulher heterossexual de trinta e tal anos.

Quando olho para a mulher no elevador, para a forma como ostenta a sua heterossexualidade, o peito apertado, as pernas lisas e altas, não posso deixar de pensar que a sua opção é uma forma de negação radical, porque rejeita a relação homem-mulher como ela deve ser. O macho passa a ser o caçado. E a verdade é que, naquele elevador, me senti como a zebra coxa cruzando o território da leoa.

Esta mudança de paradigma, em que o homem é usado para satisfação da mulher sem fins de procriação, é um caso bicudo de niilismo, uma ausência de continuidade da espécie, como o insecto fêmea que come a cabeça do macho no final da cópula.

Sempre que uma mulher heterossexual de trinta anos tem relações com um homem sem envolvimento emocional e gravidez subsequente, morre um marinheiro no mar. E se uma dessas mulheres tem relações com outra mulher, então nesse caso morrem três fadas, dois atuns e um unicórnio.

Além de nociva, a exposição da heterossexualidade destas mulheres é, para concluir, uma moda, uma birra, um acessório no kit da noite, uma forma de chamar à atenção.

Moral da história?

Talvez o que dizia aquele grande gayzão, Oscar Wilde:

“The only thing worst than being talked about, is not being talked about”

Tradução muito livre: ser polémico é melhor que ser apenas nulo.

Moral da história 2: You go girls.

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