sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Santíssima trindade sob a influência do calor

Escreve aí no teu bloquinho a minha história. Há coisas que precisam ser ditas e gente jovem para impressionar. Tu metes isto num blog ou num jornal? Podes ligar o gravadorzinho. Depois manda-me o ficheiro de som para guardar nos meus arquivos. Ontem esteve cá a Rolling Stone Brasil e para a semana vou ao Jô Soares. Já visitaste S. Paulo? Ias gostar. E já andaste de helicóptero? Bebes dry martinis? Querias ser tão bem sucedido como eu?

Estás pronto?

Eu tinha chegado ao Rio de Janeiro com a crise a morder-me os calcanhares. Em Portugal não tinha trabalho, voltei a viver com os meus pais, a minha namorada emigrou para Londres e ao fim de uns meses mandou-me um email a dizer que tinha conhecido uma pessoa e que cenas à distância só nos filmes.

Soube que havia aqui emprego e apanhei o avião. Mas as coisas pioraram antes de melhorar. Dividia casa com Wilson, um rockabilly que tomava speed e fazia versões de Sinatra na sua guitarra heavy metal. O apartamento mantinha-se em bom estado porque, por vezes, depois de tomar um speed, ele se punha a fazer a faxina em fast forward enquanto eu espiava o Facebook da galdéria londrina. Fiz uns biscates como designer gráfico e quando o meu pai telefonou e lhe disse:

“Ando a fazer uns bicos para me safar.”

Tive de explicar que aqui “bicos” são biscates. Entre nós esta historieta tem graça, ficava bem numa página de revista. Podes usar. Mas em algum momento o meu pai visualizou a imagem do filho a soprar na gaita de outro homem. E isso não tem piada nenhuma.

Em frente.

Eram tempos de desalento e chovia muito. Um dia o Wilson entrou no meu quarto e disse: “Portuga, quero que você conheça um amigão do peito.” Enchemos a cara de cachaça e fumámos tudo. Eu e o Wilson, porque o convidado, The Show Man, um gadelhudo de túnica, com cara de último dos moicanos, não intoxicava o corpo seco e musculado de mestre de kung fu.
The Show Man vendia sanduíches vegetarianas na praia, dava seminários de pinanço tântrico e tinha máximas pouco originais para todas as ocasiões.

“Escuta o que o teu corpo te segreda.”

Eu não ouvia nada a não ser o zumbido da minha consciência alterada por substâncias várias. Pode ter sido da moca, mas o momento foi místico. Wilson via porno no computador, eu acendia um baseado e The Show Man comia melancia. Levantou um dedo e repetiu várias vezes, criando um mantra:

“Maconha Sexo Melancia.”
“Maconha Sexo Melancia.”
“Maconha Sexo Melancia.”

Escuta, eu nem sou muito espiritual, mas uma pessoa chega a esta terra e sente a força dos morros e da selva e do bafo verde. Fosse o que fosse, aquele mantra mudou a minha vida.

No dia seguinte acordei muito cedo. Fui dar um mergulho e lutar contra as ondas. É o que te digo, há aqui uma cena marada, não é por acaso que há terreiros, pulseirinhas do Bonfim e igrejas em todas as esquinas. Já reparaste na quantidade de autocolantes (eles dizem adesivo) a favor de Jesus Cristo colados em quiosques, portas de barracos e tabliers de taxistas? Há muita gente a explorar a cena mística. É um grande negócio. Maior do que o meu.

Mas adiante, fosse o que fosse, tive uma visão. Pus o plano em marcha. Primeiro tinha de testar o produto. Pedi erva ao Wilson, combinei um chope com uma amiga gótica do Wilson e pus a melancia cortada em cubos – que o Wilson tinha comprado – dentro do frigorífico.

Já estiveste com uma gótica? Pois, eu também gostava de dizer que tudo começou com a prima mais jovenzinha da Malu Mader, mas foi com uma gótica que testei o produto. No entanto, faça-se justiça: ela ficava muito melhor nua do que vestida.

Maconha.

Fumámos um, ligámos as colunas ao computador, começámos a ouvir os instrumentos musicais com mais precisão, percebemos a sensibilidade apurada da pele, o aquecimento dos músculos, a doce tesão do fumo espalhando-se no sangue.

Sexo
Desapertámos botões e forçámos as costuras da roupa, beijámo-nos como se fosse uma viagem numa nave espacial, fornicámos tresloucadamente, depressa e devagar, mais beijos na boca e mãos amarradas.

Melancia
Quando os corpos regressaram à calma, o peito arfando e a cabeça num lugar qualquer, um lugar mais leve, então levantei-me e fui buscar a melancia: a boca ficou fresca, os olhos reagiram, a polpa desfez-se na língua e activou de novo o sangue. Estava fechada a minha peça magistral.

Maconha Sexo Melancia.

Experimentei com outras mulheres antes de fechar um plano de negócio. Projectei workshops, apresentações na televisão, um livro, claro, centros de atendimento espalhados por todo o país, mais tarde pelo mundo, uma rede de pessoas que seguiriam a santíssima trindade do self help para a felicidade.

Maconha Sexo Melancia

Dois anos mais tarde: todas as minhas previsões foram cumpridas. Sou uma história de sucesso, o português que deu certo no sonho brasileiro. Daqui a cem anos haverão de falar de nós.

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