quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Breve história verdadeira sobre um portuga no Vidigal


O jogo da primeira mão entre Portugal e Bósnia passava na televisão de um bar no Vidigal. Os locais preferem dizer comunidade em vez de favela. O Vidigal fica bem perto da Rocinha, há até um caminho entre as duas comunidades. Três homens viam Cristiano Ronaldo na TV, havia cervejas nas mesas ao ar livre e uma vista para as ilhas Cagarras boiando no oceano. O meu amigo, habitante do Vidigal, entediado com o zero a zero, contou-me então a história de Nuno – nome fictício por razões que perceberão em seguida.

Nuno era menino de paitrocínio, tinha vindo para o Rio estudar ou estagiar ou fingir que procurava um emprego. Grande parte das divisas enviadas pela família portuguesa era gasta em sextas-cheiras, que passaram a ser também segundas-cheiras, terça-cheiras e por aí adiante, uma viagem para o abismo cocainómano do playboyzinho lisboeta. Nuno mudou-se para o Vidigal. Tinha um aluguer mais barato e estava perto dos seus abastecedores. O meu amigo contou que, certo dia, chegado de férias em Lisboa, subiu o morro e deu de caras com Nuno, metralhadora apoiada no braço, branco e magrelas e estrangeiro como mais ninguém naquele negócio. Nuno tinha entrado para o tráfico.

Nos botecos, nas calçadas, entre soldados e locais, rolava já a piada: se alguma coisa sujasse, o português seria o primeiro a ser entregue aos policiais. O meu amigo decidiu alertar Nuno. Disse-lhe que pensasse bem nos seus hábitos nasais e que ponderasse se fazia algum sentido um menino de Lisboa andar de fuzil nas favelas do Rio de Janeiro. Nuno não estava preparado para disparar aquela arma. Pirou-se sem beijinhos ou abraços, durante a noite, e deixou as suas coisas para trás. A casa foi pilhada pelos bandidos, que passaram a vestir a roupa de Nuno.

O jogo terminou zero a zero. A selecção aborrecida no Vidigal. O meu amigo disse-me: “Ainda podes ver aí bandidos com camisolas da selecção portuguesa e do Benfica que roubaram na casa do gajo.” Um desses traficantes matou dois bandidos da Rocinha num baile funk. O meu amigo estava lá. Ouviu os disparos. Os corpos, conta-se no Vidigal, foram pendurados de cabeça para baixo, o sangue drenado. Em seguida foram cortados em pedaços. Terminaram como comida para porcos. O tipo que os matou nunca mais mostrou a cara no Vidigal. O meu amigo diz que há um vídeo no Youtube onde ele aparece com a camisola da selecção portuguesa. Fui ver e é verdade. Mas não tem cara de bandido. Desci o morro e entrei numa van a caminho de Ipanema. Dias depois o Vidigal foi ocupado pela polícia. Ninguém morreu e a vida continua.

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