sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Olhar pessoas: a garota do bar de sucos



Chegas quando a tarde se enlaça na noite e há nuvens de mosquitos, como chuva, na contra luz dos candeeiros públicos. Chegas como se saída de um carro de outra época, uma época certamente bela, porque tens cabelo negro de espia ou dançarina de cabaret ou apenas de menina maldosa.

Chegas com um vestido preto e ténis que, com certeza, compraste em Berlim. Deves ter amigos artistas e designers e já beijaste mulheres na boca - ou pelo menos gostarias.

No bar de sucos, os empregados têm a gordura dos fritos na pele; os clientes estão de bermudas e areia nos pés. Mas tu aproximas-te do balcão como se no intervalo da ópera - em vez de champanhe, pedes um açaí.

"Pouco xarope, mas pouquinho mesmo."

E imagino que talvez sejas uma fanática da linha, uma comedora exclusiva das coisas que nos fazem bem, uma chata. Não é apenas isso, é a forma como as unhas vermelhas, há segundos enigmáticas como uma cicatriz, de repente parecem vulgares unhas vermelhas porque apenas se dedicam ao Blackberry.

E no outro lado do balcão, o empregado com cabelo de água oxigenada limpa a telinha do seu celular com um guardanapo, metódico como nunca foi na escola.

Os celulares mataram a solidão da espera. Será que já ninguém se senta num ponto de ônibus ou aguarda um açaí sem procurar a companhia dos outros navegadores da rede?

Ela saca do seu iPhone. Poderosa, ligada, antenada, dentro do esquema, mas fora da caixa. iPhone & Blacberry, a dupla de sucesso que a deixa mais enturmada com tudo. Mesmo tudo. Tudo, tudo, tudo.

Ela pergunta: "Tem Wi Fi?"

Tenho vontade de rir, mas não vou cuspir o suco de melancia. Amachuco o guardanapo que me limpou a boca e atiro-o para o lixo, pensando que podia dizer-lhe que há internet grátis ali ao lado, num shopping, ou então deixá-la enfrentar, sem ajuda de muletas electrónicas, a solidão mais apetecível do final do dia: comer um açaí num bar de sucos, ao balcão, ver os outros, respirar, sair da ondas hertzianas, estar apenas.

Apenas estar.

Despeço-me do moço do bar de sucos, olho para ela, bonita e dedicada ao Facebook no celular, e penso: o mundo virtual é cada vez mais um corta tesão.

Ou talvez seja apenas a sorte de viver numa realidade em que vou deixando de precisar de sucedâneos dessa mesma realidade. "A vida como ela é", declarou Nelson Rodrigues. Isso mesmo: a vida como ela é. No meu caso, e por isso agradeço, a vida empolgante como um livro de aventuras.

Garota do bar de sucos, encanto e desencanto, tão veloz como um post, tão passageira como um twitt, tão dispensável como uma aplicação.

A vida é bela, garota do bar de sucos, por vezes, a vida apenas como ela é, pode mesmo ser bela.

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