quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Natal sem ti (ii) e sem revisão de texto


Sento-me como se obedecesse a uma ordem, teclo como se fosse a única maneira de ainda chegar a ti, custa-me tanto escrever-te como me custa a tua ausência. Faz agora um ano que, nesta mesma cidade, manipulado pela saudade, me pus a escrever uma carta de Natal em formato de crónica – não era uma crónica, era a minha vida inteira sem ti, era a inevitabilidade de nunca mais voltar a ver-te. Eu sei que um homem da minha idade já não devia chorar, muito menos em público, muito menos usando o ofício que nunca pudeste conhecer.

Mas são agora 27 anos, 27 natais, tanto tempo sem ti.

Pensei que, tal como no ano passado, a fuga para um Natal tropical me salvasse desta saudade. Não dá. Desculpa mas não dá.
Por isso escrevo, escrevo para tocar-te e para receber os teus presentes e para que me digas para acabar o prato de comida na mesa. Fazes-me tanta falta quando estou assim longe e voluntariamente sozinho e sem saber onde me agarrar se não na escrita.
Olha, olha como escrevo bem, olha como escrevo para ti, para que tenhas orgulho e gostes de mim, para que passeies de mão dada comigo na rua e vás falar de mim às tuas amigas nas sessões de cabeleireiro.

Juro que ainda sou menino, podes ver como patino com o meu irmão – o teu primeiro filho – no terraço da casa, como me vestes t-shirts do Super-Homem ou tiras as natas do leite com chocolate – sabes que tenho pânico de natas, ainda hoje, se bebo leite, uso os incisivos como filtro. Sou tão pequeno quando te escrevo. Por isso talvez não possas saber como escrevo agora, achando que falo de coisas importante do mundo, guerras, favelas, senhores da política e tudo o que flutua como purpurina na actualidade mediática do globo.

Pudeste ver-me menino, mas não podes ver-me adulto. Não estás aqui, no Rio do Natal com duendes suando 34 graus, não estás na nossa casa com o cheiro de lenha na rua e frio nos pés – tu vinhas, calçavas-me as meias, puxavas o edredon para cima.

Queria dizer-te tantas coisas e no entanto é um soluço de palavras que me sai de algum lugar que ainda não cicatrizou, um lanho que se abre uma ou outra vez por ano e que me obriga a escrever-te. Mas como posso falar contigo de outra maneira, se não sou místico nem crente?
Por isso te escrevo, escrevo-te porque por vezes acho que é isto o que me salva – não é – e porque não te sei falar de outra maneira, porque não estás, porque não te posso ligar e muito menos abraçar.

Gostava de dizer-te: “Onde quer que estejas, espero que me estejas a ver.”

Mas não sei onde estás, deixaste de estar – 27 natais, 27 anos, tanto tempo sem ti.

Talvez para o ano, nesta ou noutra cidade, volte a tentar tocar-te, volte a olhar para a tua fotografia que trouxe na bagagem e me ponha a escrever, a escrever, a escrever tanto que vais saber que o menino cresceu e que sonha cativar-te com a escrita (onde estão os abraços, os mimos, o teu colo?)

É Natal, a família está a 10 horas de avião e tu estás ainda mais longe.

Gostava de dizer que um dia isto passa, que vou deixar de te aborrecer com as minhas cartas sazonais. É mentira. Poderei ter filhos e netos, irei sempre escrever-te.

Esta saudade não se cura. Por isso, se me vires a chorar, se os outros meninos me chamarem de mariquinhas ou, neste Natal tropical, souberes que me vou enfrascar como um marinheiro no primeiro dia em terra, sê meiga comigo.

Tantas letras para quê? Tanta coisa para quê? Apenas para isto: fazes-me tanta falta, mãe.

1 comentário:

  1. Sabe bem ler, escrito por outra pessoa, aquilo que sentimos.
    É um xi-coração à dor, aconchego.

    Agradeço a partilha dos seus escritos, é (tem sido) um prazer ler.

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