Há umas semanas ligaram-me da Time Out Lisboa, convidando-me a escrever um texto sobre os meus hábitos de escrita para a rubrica "Como eu escrevo".
E eu escrevi isto:
O
caubói escritor
Osmir
Fuks foi escritor e bandido. Pouco se sabe da sua obra e talvez tenha produzido
mais patifarias do que literatura. O Correio de Cuiabá, edição de 3 de Dezembro
de 1988, publicou um perfil com referências biográficas duvidosas e chamou-o de
“Cangaceiro punk”. O texto conta que Osmir sangrara inimigos com facas de
cozinha e amara mulheres até que perdessem os sentidos. O artigo vinha ilustrado
com um desenho – a cara de um matador parido no Mato Grosso, a dormência ocular
dos degoladores. Encontrei o texto por acaso, enquanto fazia pesquisa para um
livro. Esqueci Osmir durante semanas, até que, num alfarrabista em Copacabana,
encontrei a “Biografia dos hábitos dos caubóis e dos escritores ”, edição
artesanal, de 1990, com uma reduzida biografia na contracapa: “Nasceu e ainda
não morreu.”
O livro ensina a capar bois, a selar
cavalos e relata as manias de autores que não encontrei na internet ou nas
enciclopédias: Cigala Estevez, poeta chileno e canibal, Fernando Fernandes,
português de narrativas porno que se tornou pastor evangélico em Parada de
Lucas, Rio de Janeiro, Zona Norte. Misa Whitman, que escreveu uma ode à
procrastinação pela via da masturbação.
“Rimbaud ficou perneta, Camões zarolho.
E quantos outros escritores não andaram aflitos de sífilis e achaques da
alma?”, questiona Fuks, no capítulo “Maleitas resultantes do ofício &
acidentes causados por desvarios românticos”. Osmir escreve ainda que os
escritores perguntam aos seus pares sobre os hábitos de escrita porque querem
ter a certeza de que não estão loucos, de que há outros para quem a solidão é
um farol apetecido, e porque, paradoxalmente, querem companhia para um
propósito que parece obsoleto: escrever livros. “A escrita precisa de tempo
como o rio precisa de séculos para definir seu leito”, escreve Fuks, e depois
insiste na estranheza de um ofício que vale menos do que um cirurgião empunhando
um bisturi em caso de apendicite – uma coisa que nem se pode chamar de
profissão e que, se pararmos para pensar, é tão estranha como pessoas a dançar
sem música.
“Os hábitos dos escritores, quando
revelados, servem para alimentar a suspeita da sua singularidade, instigam a
soberbia, dão importância e ritualizam desnecessariamente o caráter mundano da
criação. Mas também é muito possível que eu esteja falando merda.”
Osmir Fuks não tem endereço conhecido. Um
repórter de Passo Fundo disse-me que ele trabalhava numa fazenda no Uruguai, e
que era procurado por bigamia, burla e lesões corporais. No livro, Fuks
escreve: “Se um dia uma menina da TV ou das revistas vier me perguntar sobre
como escrevo, eu invento uma história na hora.”
Nisso, senhor Fuks, estamos de acordo.
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