sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Manhã tão branca


Há meses que ando atormentado com uma frase de E.B White. Trata-se de uma inquietação do escritor americano, que já mencionei em várias coisas que escrevi, mas que regressa sempre, um tique do cérebro, uma obsessão repetida.

'I arise in the morning torn between a desire to improve the world and a desire to enjoy the world. This makes it hard to plan the day.'

Esta manhã fui comprar peixe, fruta e vegetais na feira da Gávea. Fazia sol pela primeira vez em dias. O plano parecia óbvio.

Mas logo abro o jornal e descubro que há clubes cariocas onde as babás só podem entrar fardadas; e numa estranha associação de ideias e imagens, de repente, a minha manhã fresca de verão é contaminada por uma sequência de lixo: dois políticos portugueses e um brasileiro celebrando o fim-de-ano no Copacabana Palace, que nem Irmãos Metralha ou amiguinhos da noite fazendo uma rodada de shots; ou o emigrante portuga, com quem jogava futebol na adolescência, e que reencontrei no Rio de Janeiro - quando lhe perguntei porque saíra de São Paulo para o Rio, recentemente, só  foi capaz de falar do dinheiro que ganha e do tempo em que era um lorde, quando um euro valia quatro reais e era mais fácil para os gringos cavalgar a riqueza do Brasil e a subserviência dos fodidos.

Afortunadamente, o boletim metereológico do jornal anunciou céu limpo, interrompendo o videoclip da minha irritação. E só então percebo que querer anular ou castigar o lixo do mundo não é o mesmo que "melhorar" o mundo, como diz White.

Incapaz de ir agora para a rua e salvar viciados em crack, dar sangue num hospital ou apresentar-me como voluntário num lar de idosos, resta-me escolher o outro caminho. Pego na bicicleta, vou à praia, dou um mergulho e dou também graças pela poderosa paisagem de morros e mar, pelo corpo ressuscitando debaixo do sol, pela sorte que me calhou.

Hoje, não me inquieto mais. Os ônibus aqui têm o hábito de atropelar pessoas e amanhã pode ser o meu dia. My desire, Mr. White, is now to enjoy the world.

E como dizia Nucky Thompson, miúda da Gávea, há mais deus no meu amor por ti do que em todas as igrejas do mundo.