Não sei se ando demasiado
afastado dos mecanismos de vingança para pensar desta maneira, mas julgo que já
ninguém risca carros – com uma chave (a namorada despeitada), com um prego (o
aluno chumbado), com uma garrafa partida (o despedido bêbedo). Talvez a
distância das salas de aula, das relações psicóticas e de patrões abusivos não
me permitam ver que, por todo o mundo, ainda há quem apure, com requinte e
malícia, o ancestral engenho humano da vingança.
O castigo de uma pintura
arranhada vai muito além dos danos na chapa e das despesas subsequentes.
Primeiro, há o momento de ultraje. Mas a punição maior prolonga-se. Não são os
riscos – é aquilo que sugerem. De cada vez que alguém entrar naquele carro ou
passar por ele na rua, poderá questionar-se que acto vil, do proprietário, terá
feito alguém sair de casa, procurar o carro, arriscar ser apanhado, para cravar
uma chave bem fundo – como uma adaga nas entranhas de um imperador.
Os riscos, por mais injustos que
sejam, implicam uma malfeitoria do castigado, e, mais que tudo, garantem ao
vingador um prazer que só pirómanos, drogados e trapaceiros alcançam.
Tudo isto para dizer que, ontem,
ao ver um político português num programa de notícias, tive uma enorme vontade
de pegar na chave, sair de casa, apanhar um avião, aterrar em Lisboa, descobrir
o carro do senhor e, espetando a adaga mais longa, sentir-me saciado – não
tanto como Brutus, mais como Dirty Hairy.
E depois ia comer um folhado de salsicha e beber um Ucal numa pastelaria de esquina, pronto para, nessa noite, dormir como um bebé untado em morfina
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