Malemolência Zuga
Blog de um escritor português no Rio de Janeiro
segunda-feira, 7 de outubro de 2013
sábado, 5 de outubro de 2013
Crónica antiga sobre a Implantação da República
Cem anos de esperança
Estás na rua tão cedo que te lembras das manhãs de aulas, quando os estores subiam inclementes na janela e a tua mãe assegurava que não sairias de casa com ramelas. Mas é feriado e és adulto e vais trabalhar. Estás numa praça com bandeiras do teu país e, como os miúdos que esperam a carrinha da escola, imaginas-te a viajar no tempo cem anos. Estarias na rua, de espingarda na mão, ou ficarias em casa, preocupado com a preservação do teu corpo? Serias um revolucionário ou um comodista?
Daqui a nada, vais ouvir um amolador noutro sítio deserto da cidade. Perceberás então que os feriados são muito mais generosos para os miúdos que, ainda na cama, ouvem a flauta solitária sem a melancolia do passado que oprime os adultos.
Neste feriado haverá políticos e bandas filarmónicas e comparações entre aquilo que somos e aquilo que fomos. Num jornal, encontras mesmo uma foto dos “Vencidos da vida” – Eça, Ramalho, Junqueiro etc. – e um texto desse poeta açoriano que estoirou os miolos num jardim: “Se não reconhecermos e confessarmos os nossos erros passados, como podemos aspirar a uma emenda sincera e definitiva?”
No final da manhã já encontras famílias na rua, crianças aprumadas como embrulhos de Natal, miúdos mais interessados num Happy Meal do que atormentados pelos erros dos pais, avós e bisavós. Serão um dia revolucionários ou comodistas? Não conheces nada do futuro. Mas sabes que, em vez da pistola de Antero de Quental, ainda preferes a placa do jardim onde o poeta se matou. Dizia: “Esperança”.
domingo, 29 de setembro de 2013
Easy living
O céu molhado e o cão sonhando no sofá. Vozes chegadas de um campo de algodão, negras, defumadas e embedidas em whisky atravessam a onda média da rádio como sereias preguiçosas. Grandes esperanças e beijinhos de domingo. Acende o lume parao chá, marca a página do livro, deixa-te ficar aí, sem que percebas sequer que te admiro. E, porque em dias assim, sou mais homem romântico do que poeta com recursos, plagio e digo, podes ficar, "De nada mais preciso/para a minha ilusão do Paraíso".
quinta-feira, 19 de setembro de 2013
"Vai roubar para a estrada"
Uma família chega a um café de Albufeira na confusão de agosto, o
pai olha os preços inflacionados pelo verão e diz: "Vão mas é roubar para
a estrada".
O reformado acaba a sopa do jantar e,
diante da notícia sobre o aumento dos impostos, ordena ao primeiro-ministro na
TV: "E se fosses roubar para a estrada, pá?".
O condutor, mandado parar por excesso de
velocidade, entra no carro depois de assinar a multa e, quando o polícia vira
costas, diz entredentes: "Vai roubar para a estrada" - o que, de
certa maneira, é desnecessário, uma vez que o polícia já está a roubar na
estrada,
Sem conseguir encontrar a origem desta
expressão portuguesa, pus-me a pensar em qual seria o seu sentido inicial.
Foi-me sugerido que a frase se referia aos tempos em que bandidos atacavam
diligências. Contrapus que Portugal não era o Texas no século XIX.
É verdade que, tendo em conta as portagens
ou os preços nas estações de serviço, se poderia deduzir que seria coisa de concessionárias
de autoestradas e postos de gasolina, mas esse género de furto é demasiado
recente para ter originado uma expressão tão antiga. O fulgor próspero do
asfalto e pastéis de nata com preços trufados são coisa das últimas décadas.
É verdade que certo tipo de prostitutas
trabalha na estrada, mas o que fazem é mais um serviço à causa dos camionistas
do que um assalto com direito a "final feliz".
E seria esticar a corda se dissesse que o carjacking começou um dia quando, farta de
ser roubada entre paredes, uma vítima sugeriu "E se fosses antes roubar
para a estrada" - não só o meliante obedeceu, como descobriu uma nova
prática de crime com nome estrangeiro.
ps - nas próximas edições, a expressão brasileira "E daí?" e a portuguesa "Foi pro maneta."
quarta-feira, 18 de setembro de 2013
Conde de Monte Risco
Não sei se ando demasiado
afastado dos mecanismos de vingança para pensar desta maneira, mas julgo que já
ninguém risca carros – com uma chave (a namorada despeitada), com um prego (o
aluno chumbado), com uma garrafa partida (o despedido bêbedo). Talvez a
distância das salas de aula, das relações psicóticas e de patrões abusivos não
me permitam ver que, por todo o mundo, ainda há quem apure, com requinte e
malícia, o ancestral engenho humano da vingança.
O castigo de uma pintura
arranhada vai muito além dos danos na chapa e das despesas subsequentes.
Primeiro, há o momento de ultraje. Mas a punição maior prolonga-se. Não são os
riscos – é aquilo que sugerem. De cada vez que alguém entrar naquele carro ou
passar por ele na rua, poderá questionar-se que acto vil, do proprietário, terá
feito alguém sair de casa, procurar o carro, arriscar ser apanhado, para cravar
uma chave bem fundo – como uma adaga nas entranhas de um imperador.
Os riscos, por mais injustos que
sejam, implicam uma malfeitoria do castigado, e, mais que tudo, garantem ao
vingador um prazer que só pirómanos, drogados e trapaceiros alcançam.
Tudo isto para dizer que, ontem,
ao ver um político português num programa de notícias, tive uma enorme vontade
de pegar na chave, sair de casa, apanhar um avião, aterrar em Lisboa, descobrir
o carro do senhor e, espetando a adaga mais longa, sentir-me saciado – não
tanto como Brutus, mais como Dirty Hairy.
E depois ia comer um folhado de salsicha e beber um Ucal numa pastelaria de esquina, pronto para, nessa noite, dormir como um bebé untado em morfina
quarta-feira, 28 de agosto de 2013
Boys will be boys
Se uso um casaco com capuz, num dia de chuva, imagino-me sempre mais perigoso, como se estivesse a seguir alguém ou andasse clandestinamente em fuga. Mesmo quando, como ontem, era só para ir ao quiosque comprar um livro do Homem-Aranha.
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